Educação Domiciliar.
Autores:
Diego Córdoba
Gisele
Leite
Resumo:
O
texto aborda o projeto de lei proposto pelo atual Presidente da República que
pretende regulamentar a Educação domiciliar no Brasil.
Palavras-Chave:
Educação. Educação Domiciliar. Homeschooling.
Escola. Educação brasileira.
Résumé
Le
texte aborde le projet de loi proposé par l'actuel Président de la République
qui vise à réglementer l'enseignement à domicile au Brésil.
Mots-clés:
Education. Éducation à la maison. École à la maison. L'école. Éducation
brésilienne.
Não
acredito que a possível futura regulamentação da educação domiciliar venha
realmente deslegitimar a escola. É verdade que tanto a educação contemporânea
como a escola brasileira tem sido alvo frequente de acirradas críticas e das
mais diferentes dúvidas sobre sua função e papel social. Alguns já acreditam
que a escola se tornou obsoleta e que a atual crise poderá levá-la a extinção.
E, já
outros, acreditam que a crise ocorre no mundo todo, nos mais diversos setores
da sociedade humana, portanto, nem sempre é justo afirmar ou acusar de ser a
escola meramente repressiva e normalizadora, além de ser colonizadora e
fortemente alienante. A escola, segundo esse entendimento, estabelece e
reproduz continuamente a violência da ordem social prevalente.
O homeschooling ou educação
domiciliar ganhou adeptos a partir dos anos noventa e, trata-se de
modalidade de educação que visa oferecer aos pais e seus adeptos a oportunidade
de flexibilizar o conteúdo escolar e selecionar, além de aplicar os materiais
didáticos que são coerentes com seus valores e crenças.
Segundo
a Aned (Associação Nacional de Ensino Domiciliar), nas Américas, países como o
Paraguai, Chile, Colômbia e Equador permitem o ensino domiciliar enquanto que
Argentina e México ainda busca a regulamentação. Mas, entre os países europeus,
Portugal, França, Inglaterra, Escócia, Irlanda, Itália[1], Suíça[2], Bélgica, Holanda, Noruega[3] e Finlândia são exemplos
daqueles países que permitem a educação domiciliar e, ainda
afirmam que é a que proporciona a melhor educação do mundo. Por outro lado,
países como Espanha, Alemanha e Suécia proíbem a sua prática.
É
verdade que o homeschooling[4]
tem sido difundido no mundo todo, especialmente nos EUA[5], onde aliás é permitida e
regulamentada. Mas, cumpre salientar que os métodos fiscalizatórios e
verificatórios são sérios e monitorados.
Os
refratários à educação domiciliar alegam que é importante manter a defesa da
escola e de reconhecer ser o principal locus
de ensino-aprendizagem, contrapondo-se, portanto, aos que defendem seu
esvaziamento ou mesmo extinção.
Se a
Educação domiciliar poderá trazer melhoria na aprendizagem de crianças e
jovens, não se sabe. Mas, não se pode negar o papel crucial e estratégico da
família na formação educacional. Mas, em casa a educação será ministrada com
inexistência de socio-interações, sendo uma formação distante do pluralismo e
da diversidade, trazendo uma certa homogeneização o que pode trazer maiores
dificuldades para as relações sociais e o convívio com as diferenças.
Evidentemente
que não podemos desfraldar uma defesa romantizada da escola[6], sem descartar os
problemas que estão no interior desta ,ou ainda, que pairam sobre esta,
principalmente, por violências diversas, além de expressiva
precariedade de muitas escolas, seja em face de sua estrutura, aos recursos
humanos e, ainda, os baixos ou insuficientes desempenhos, o que não implica em
fechamento ou esvaziamento da escola[7].
Estatisticamente
a educação domiciliar deve atingir pouco número de pessoas, sendo mais dirigido
às classes sociais mais altas, mas os pais ou responsáveis legais terão que
apresentar projeto pedagógico individual para ter aprovado o pedido de ensino
em casa.
E, os
discentes passarão por avaliação feita pelo Ministério da Educação por meio de
prova anual. E, a avaliação seguirá o parâmetro da Base Nacional Comum
Curricular.
Cumpre
lembrar que em 2018 o Supremo Tribunal Federal não reconheceu o ensino
domiciliar de crianças e. para a Suprema Corte, a Constituição brasileira
vigente prevê somente o modelo de ensino público e privado, cuja matrícula é
obrigatória e, não há lei que autorize a medida. (Vide RE 888815, com repercussão
geral reconhecida).
O
recurso em referência chegou ao conhecimento do STF decorreu de um caso
concreto envolvendo os pais[8] de uma criança de onze
anos, no município de Canela, situado no interior do Rio Grande do Sul que
solicitaram perante a Secretaria Municipal de Educação autorização para prover
a educação da filha mediante ensino domiciliar.
Na
época, o órgão municipal rejeitou o requerimento dos pais, o que fez com que
impetrassem Mandado de Segurança perante a justiça local. Após a sentença,
houve recurso ao TJRS, e, depois, então, ao STF. Quando o STF julgou
improcedente o requerimento dos pais.
A
improcedência se deveu principalmente por conta da ausência de norma legal que
regulamente a prática do ensino domiciliar. A decisão do STF fora tomada por
dez ministros e, a maioria não apontou qualquer inconstitucionalidade na
prática do homeschooling.
E, o
primeiro a abordar o tema, foi o relator, o Ministro Luís Roberto Barroso e
cujo voto[9] foi uma verdadeira aula de
Direito Constitucional e de Direitos Humanos, pois além de entender ser
constitucional, identificou como um direito dos pais independentemente de norma
regulamentadora.
O
relator apenas sugeriu, na época, algumas regras para a regulamentação da
matéria, com a devida necessidade de notificação das Secretarias Municipais de
Educação, além da existência de avaliações periódicas e que seja providenciada
a volta à escola, se comprovada a insuficiência ou deficiência na formação
escolar domiciliar.
Cumpre
lembrar que a educação não é de fornecimento exclusivo do Poder Público, então
o Ministro Alexandre de Moraes[10] esclareceu que o ensino
domiciliar é uma possibilidade legal, faltando somente a devida regulamentação
para sua prática, o que parece que pode chegar, pois o Presidente da República
Jair Messias Bolsonaro assinou em 11.04.2019 o projeto de lei que fez
parte dos instrumentos assinados em cerimônia comemorativa dos cem dias de
governo brasileiro.
Para
que seja efetivamente regulamentado o homeschooling,
é preciso que o Congresso Nacional venha aprová-lo em até cento e vinte dias.
Do contrário, o projeto de lei perderá validade.
[1]
Educazione Parentale é termo usado na
Itália para Educação Parental, ou ensino ministrado pelos pais.
O país mantém sites de organizações educacionais com
fóruns, dicas e atividades que informam, direcionam e orientam as famílias
adeptas e as que desejam aderir ao ensino parental. Entretanto, para ministrar
o ensino em casa, a família deve enviar uma notificação por escrito ao conselho
de educação de sua competência, anualmente.
[2]
O Ensino Doméstico na Suíça, varia de distrito para distrito. Isso significa
que os pais que optarem por ensinar seus filhos em casa, devem primeiramente
verificar se a secretaria de educação do distrito (de sua residência) autoriza
o Ensino Doméstico. Caso seja possível, os pais devem responder a um
requerimento que deve ser enviado para a secretaria de educação para aprovação
legal. Os materiais de ensino e planos de aula são fornecidos gratuitamente por
escolas locais. Além disso, as famílias recebem visitas e tutorias pedagógicas
no domicílio por membros de associações locais.
[3]
Noruega alega muitos serem os motivos para a adoção do ensino educacional em
casa, dentre eles: bullying, motivos
religiosos, métodos pedagógicos inadequados, fechamento de escolas rurais
necessárias à algumas comunidades e insatisfação da qualidade do ensino. Outro
motivo alegado por alguns pais, é de que o Ensino Doméstico proporciona um
aprendizado mais natural e espontâneo para as crianças. O país teve a sua
primeira conferência nacional sobre Homeschooling de 28 de junho a 30 de junho
de 1996, em Ullvik, Hardanger.
[4]
A origem do homeschooling que pode
ser traduzido como Educação no Lar, ensino doméstico ou educação domiciliar foi
um movimento de reforma educacional ocorrido na década de setenta por John
Holt, professor e escritor norte-americano. Holt reivindicava a necessidade de
as escolas serem mais humanas e menos formais além de tornarem espaço de
aprendizagens variados e repletos de estímulos, onde os aprendentes pudessem se
desenvolver de acordo com sua curiosidade e, com as experiências que lhes
fossem vivenciadas.
[5]
Grandes personalidades, como, George Washington, por exemplo, foram educadas em
casa, como nos mostra Vieira: A força da homeschool
nos Estados Unidos encontra raízes profundas no prestígio que a prática
gozava entre os founding fathers do país: George Washington, Abraham Lincoln,
Thomas Jefferson e Benjamin Franklin foram todos educados em casa. In: VIEIRA, André de Holanda Padilha.
"Escola? não, obrigado": um retrato da homeschooling no Brasil. 2012.
76 f. Monografia (Bacharelado em Ciências Sociais) - Universidade de Brasília,
Brasília, 2012. Disponível em: <http://bdm.unb.br/handle/10483/3946?
mode=simple>. Acesso em 12.4.2019.
[6]
Em prol da escola há a complexidade humana que não pode ser compreendida
dissociada dos elementos que a constituem: todo o desenvolvimento
verdadeiramente humano significa o desenvolvimento conjunto das autonomias
individuais das participações comunitárias e do sentimento de pertencer à
espécie humana. (In: MORIN, Edgar. Os setes saberes necessários à educação do
futuro. 2.ed. São Paulo: Cortez, Brasília: UNESCO, 2000).
[7]
Unschooling ou descolarização
apregoava que a aprendizagem deveria se dar de forma natural e espontânea e
fora do ambiente escolar. Assim o aprendente teria a liberdade de decidir quais
atividades educativas realizaria no dia, tais como: ter contato com a natureza,
treinar habilidades na cozinha, ir à biblioteca ou simplesmente ler ao ar
livre.
[8]
A família também argumentou que, por ser cristã, acredita no criacionismo –
crença segundo a qual o homem foi criado por Deus à sua semelhança – e por isso
“não aceita viável ou crível que os homens tenham evoluído de um macaco, como
insiste a Teoria Evolucionista [de Charles Darwin]”, que é ensinada na escola.
[9]
Em seguida, o ministro apresentou três premissas sobre o tema. Segundo o mesmo,
o Estado brasileiro é grande demais e ineficiente, e com frequência pratica
políticas públicas inadequadas e sem qualquer tipo de monitoramento. Para
sustentar essa ideia, aponta que os resultados da Prova Brasil, de 2017, foram
desoladores. Ademais, por questão filosófica, seria mais favorável à autonomia
e à emancipação
das pessoas, salvo casos
indispensáveis. Adiante, o ministro, apresentou alguns motivos pelos quais os
pais ou responsáveis podem optar ou optam pelo ensino domiciliar: o objetivo de conduzir diretamente o
desenvolvimento dos filhos; o fornecimento de instrução moral, científica e
religiosa; a proteção à integridade física e mental dos educandos; o
descontentamento com a eficácia da educação pública ou privada; o
desenvolvimento de um plano de ensino
adaptado às peculiaridades das crianças e dos adolescentes; a crença na
superioridade do método de ensino doméstico; e,
por fim, a dificuldade financeira ou geográfica de acesso às
instituições de ensino tradicionais. O ministro aludiu, igualmente, que diante
dessas motivações está a preocupação genuína com o desenvolvimento educacional
pleno e adequado dos filhos. A título de exemplo, ressalta que nenhum pai opta
por esse método, que é muito mais trabalhoso, por preguiça ou capricho. Visto
isso, há razões relevantes e legítimas para que seja respeitada essa opção pelo
Direito Constitucional.
[10]
Primeiro a votar, Alexandre de Moraes abriu a divergência e entendeu que o
ensino domiciliar não está previsto na legislação: “O ensino familiar exige o
cumprimento de todos os requisitos constitucionais. Não é vedado o ensino em
casa desde que respeite todos os preceitos constitucionais. Há necessidade de
legislação”. O ministro Ricardo Lewandowski também entendeu que não é possível
que os pais deixem de matricular os filhos nas escolas tradicionais. Segundo ele, “razões religiosas não merecem
ser aceitas" pelo Judiciário para que os pais possam educar os filhos em
casa. O ministro argumentou que os pais
"não podem privar os filhos de ter acesso ao conhecimento” na escola
tradicional. “Não há razão para tirar das escolas oficiais, públicas ou
privadas, em decorrência da insatisfação de alguns com a qualidade do ensino”,
afirmou Lewandowski. Os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Luiz Fux,
Gilmar Mendes, Marco Aurélio e a presidente, Cármen Lúcia, também votaram no
mesmo sentido. Fachin acompanhou em parte o relator.
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